17.5.10

O "Condicionado", "Mãos" , 1997


o "Condicionado". assim ele disse seu nome, e assim o tratamos. millenovecento e novantta e 7. dois jovens entusiastas scalovik, ainda no tênue despertar de suas vocações e angústias, pedem licença a um morador de rua de um nobre bairro da zona oeste de piratininga... ele, bastante entretido consigo mesmo, abre espaço entre seus vastos domínios e lhes concede a oportunidade de gaguejar. uma entrevista... uma longa entrevista. [ *** ]. mais do que isto, enquanto fala o que quer, e responde o que bem entende, ininterruptamente, confecciona,   c u i d a d o s a m e n t e, uma pequena brochura, que segue digitalizada abaixo. nossos  gafa-arqueólogos do asfalto, mal podiam acreditar quando terminava o dia, e tinham em  mãos aquele exemplar tão raro e meticulosamente criado... 

                                ...uma "Oférta: Gestas - Páginas Autógrafas"...

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 [ *** ] :: o áudio desta gravação está sendo devidamente digitaCanibalizado,
              & está a caminho . . .

Camilo Pessanha, "Branco e Vermelho"



                                                                            











Branco e Vermelho
                                                                        
      A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento. 


     Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser, suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim! 



      Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distancia reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila)


      Na areia imensa e plana
Ao longe a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana...
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte. 


      Até o chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.


      A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Palidamente gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desequilibra. 


      Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor... 


      E ali fiquem serenos,
De costas e serenos.
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas.
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas! 


      A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento. 


      Ó morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...
Tudo vermelho em flor... 

                                               
Camilo Pessanha


c       l       e       p       s       y       d       r       a


memórias de um cafajeste #2